O Congresso Nacional está discutindo uma série de reformas no programa Bolsa Família, buscando melhorar a eficiência e direcionamento dos recursos. Dentre as propostas em tramitação, destacam-se as restrições para que os beneficiários não possam utilizar o valor do benefício para a compra de produtos não essenciais, como bebidas alcoólicas e cigarros.
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A Reforma no Bolsa Família: propostas em tramitação
O Congresso está analisando duas propostas principais com o intuito de restringir o uso do benefício para compras específicas.
Projeto do senador Cleitinho para limitar o uso do cartão
Uma das propostas, do senador Cleitinho (Republicanos-MG), sugere a criação de um cartão específico para o Bolsa Família. A ideia é que o benefício só possa ser usado para itens básicos, como alimentos, remédios, gás, roupas e para o pagamento de contas de água, energia e internet. Com isso, a proposta restringe saques e transferências, evitando o uso para itens considerados supérfluos, como cigarro e bebidas.
A proposta defende que, ao restringir o uso, o governo garante que o benefício seja destinado exclusivamente para necessidades básicas. Segundo o senador, a liberdade de saque dos valores pode facilitar o uso para compras não essenciais, afastando o Bolsa Família do seu propósito central de combater a insegurança alimentar e prover suporte básico.
Projeto do deputado Tião Medeiros para evitar uso em apostas online
Outra proposta em destaque é a do deputado Tião Medeiros (PP-PR), que foca em restringir o uso dos valores do Bolsa Família em apostas online. Estudos recentes mostram que muitos beneficiários do programa têm destinado uma parcela dos recursos a plataformas de apostas, o que levanta preocupações sobre o uso do benefício.
Para evitar o uso indevido, o projeto propõe que os beneficiários que usarem o Bolsa Família para apostas online percam o direito ao benefício. A proposta prevê, inclusive, que as empresas de apostas enviem relatórios periódicos ao governo com o CPF dos usuários e os valores apostados.
O cartão de pagamento: limitações de uso e controle dos recursos
A proposta de criar um cartão com restrições no uso do Bolsa Família busca controlar a aplicação dos recursos. Este cartão funcionaria em redes credenciadas, aceitando pagamentos apenas em estabelecimentos que vendem produtos considerados essenciais, como supermercados e farmácias.
Como o cartão poderia funcionar
Para garantir que o valor seja utilizado conforme os objetivos do programa, a utilização seria limitada a CNPJs cadastrados e validados pelo governo. Com essa medida, o governo quer evitar que o dinheiro seja destinado a itens como cigarros, bebidas alcoólicas e outras compras que não contribuem para a segurança alimentar e o bem-estar familiar.
Essas restrições levantam questionamentos sobre a autonomia dos beneficiários, mas também refletem a necessidade de assegurar que os recursos públicos sejam aplicados da maneira mais eficiente possível.
O combate às apostas online
O aumento das apostas online no Brasil trouxe novos desafios para o Bolsa Família. Muitos beneficiários, atraídos pelas chances de lucro rápido, acabam apostando parte dos recursos do benefício. A proposta do deputado Tião Medeiros visa proibir explicitamente o uso do Bolsa Família nessas plataformas.
Fiscalização de apostas online com recursos do Bolsa Família
Para garantir que o benefício não seja utilizado em apostas, o projeto prevê que as empresas de apostas enviem relatórios mensais ao Ministério da Fazenda, com informações detalhadas dos apostadores que utilizam CPF. O projeto estende as penalidades para cônjuges e dependentes do titular do benefício, o que aumenta o alcance da fiscalização.
Impactos e desafios das reformas propostas
Embora essas reformas possam aumentar o controle do uso do Bolsa Família, especialistas apontam para desafios na implementação das medidas. A restrição do uso dos recursos traz o benefício de garantir que eles sejam utilizados para itens essenciais, mas pode enfrentar resistência por parte dos beneficiários, que podem sentir que a medida fere sua autonomia.
A visão dos especialistas
Especialistas divergem sobre a eficácia dessas mudanças. Para a advogada Deborah Constâncio, da Comissão de Direitos Sociais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-ES), as restrições podem ter efeito limitado, já que o problema do uso inadequado envolve fatores sociais complexos, como vícios e a falta de educação financeira. “Esse projeto pode não ter a eficácia esperada, pois o vício e o uso inadequado do benefício vão além das restrições no cartão,” afirma.
Por outro lado, o advogado Luciano Gabeira, da Comissão de Direitos Humanos da OAB-ES, acredita que a restrição traz benefícios. “A proposta cria barreiras que dificultam o gasto inconsciente e indiscriminado, mas precisa ser acompanhada de políticas de educação financeira,” afirma ele.
O problema do uso indevido do Bolsa Família
O uso inadequado do Bolsa Família não é novidade. Dados do Banco Central revelam que, entre janeiro e agosto de 2024, os beneficiários gastaram cerca de R$ 10,5 bilhões em apostas online, com R$ 3 bilhões sendo gastos apenas em agosto. Esses valores apontam para um comportamento preocupante, já que os recursos deveriam ser destinados à segurança alimentar.
Consequências para o objetivo do programa
O uso do benefício em itens como apostas, cigarros e bebidas compromete o propósito do programa. Ao destinar o dinheiro a esses fins, os beneficiários correm o risco de não garantir o sustento familiar adequado, prejudicando a própria qualidade de vida. As propostas em tramitação buscam evitar esse desperdício e assegurar que o Bolsa Família realmente chegue a quem mais precisa.
O papel do Tribunal de Contas da União (TCU)
Em setembro de 2024, o Tribunal de Contas da União (TCU) recomendou uma revisão no Bolsa Família, apontando falhas de gestão e cobertura do programa. Segundo o TCU, o programa apresenta cobertura regional desigual e base de dados desatualizada, que podem comprometer a eficácia da transferência de renda.
O TCU sugeriu uma metodologia de avaliação mais rigorosa, que ajudaria a garantir que o programa atenda apenas as famílias que realmente precisam, evitando gastos desnecessários e possíveis fraudes. Essa recomendação pode resultar em uma economia de até R$ 12,9 bilhões para os cofres públicos.
Considerações finais
As propostas de limitar o uso do Bolsa Família, proibindo compras de cigarros, bebidas alcoólicas e apostas, refletem a preocupação com a eficiência do gasto público e a aplicação dos recursos para fins de segurança alimentar. No entanto, especialistas alertam que as restrições precisam ser complementadas com políticas de educação financeira e de combate aos vícios, para que tenham um impacto real.
Essas mudanças no programa representam um esforço de controle, mas, sozinhas, podem não resolver o problema do uso indevido. O sucesso dessas propostas dependerá de uma fiscalização eficaz e de uma abordagem integrada, que contemple tanto a responsabilidade no uso do benefício quanto o apoio ao desenvolvimento econômico e social das famílias beneficiadas.